domingo, 16 de setembro de 2007

a poética do desejo

O poeta inglês William Blake (1757-1827), “nunca saiu da Inglaterra, mas percorreu, como Swedenborg, os reinos dos mortos e dos anjos”. Sua poética traz como um dos princípios fundamentais a idéia de que não se deve separar o mundo da natureza e o mundo da espiritualidade, o corpo e o espírito, como queriam os pensadores pós-kantianos de sua época. Em seu livro “O Matrimônio do Céu e do Inferno” (1790-3), o poeta inglês afirma que os grandes erros da humanidade foram engendrados pela Bíblia e outros códigos sagrados, a partir do momento que se tentou diferenciar, absolutamente, os dois princípios do homem: o Corpo e a Alma. Segundo José Antonio Arantes, as idéias de Blake
misturadas a arquétipos valores espirituais e etapas do desenvolvimento do espírito -, se expressam em paradoxos, visando a subversão dos conceitos cristãos em nós arraigados, atraindo-nos para sua convicção de que a dicotomia (Bem=Alma=Céu; Mal=Corpo=Inferno) é causa da infelicidade humana. Apenas a integração dessas duas faces seria a fonte da felicidade plena.
Tal ruptura está expressa, por exemplo, nas cartas de Paulo aos Romanos (Cap.8; Vers.5-7), em que apóstolo enfatiza que “os que são segundo a carne inclinam-se para as coisas da carne; mas os que são segundo o Espírito, para as coisas do Espírito / Porque a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é vida e paz”. Já no poema “A Voz do Demônio”, de Blake, sua escritura enigmática desconstrói a hipótese de que toda a energia do “Mal, provém apenas do corpo”. Através de um jogo de contrários o eu poético acena para o que ele chama de “Verdade”, pois, “O Homem não tem um Corpo distinto de sua Alma, pois o que se denomina Corpo é uma parcela da Alma, discernida pelos cinco Sentidos, os principais acessos da Alma nesta etapa”; assim, a energia que provém do corpo não tem um caráter negativo, mas representa um “Deleite Eterno”. Esse embate entre o caráter apolíneo e o caráter dionisíaco, projeta-se com mais ênfase no poema “Provérbios do Inferno”, em que destaco a passagem, “O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria / A Prudência é uma rica, feia velha donzela cortejada pela impotência / Aquele que deseja e não age engendra a peste”. Desnuda-se, desse modo, uma visão que percebe em tudo uma franca unidade; unidade essa que ressurge na poesia Beatnik de Allen Ginsberg, em que se lê: “O mundo é santo! A alma é santa! A pele é santa! O nariz é santo! A língua e o caralho e a mão e o cu são santos!”. Na poética de Blake, essa idéia de unidade é ressaltada no trecho: A vanglória do pavão é a glória de Deus. O cabritismo do bode é a bonda de Deus.A fúria do leão é a sabedoria de Deus.A nudez da mulher é a obra de Deus.
Pode-se entender esse princípio de unidade, a partir de um viés filosófico exposto com maestria pelo alemão Fichte, que explica que não há diferenciação entre o mundo dos fenômenos e o mundo das essências, já que tudo deriva de um único Eu puro. Essa poética da libertação explica-se pelo fato do Eu puro ser incondicionado e absoluto, infinito e ilimitado, “pois não conhece determinação”. Vê-se nesse ponto de vista uma filosofia monista em que, “tudo está em tudo”. Neste sentido, o verso “Aquele que deseja e não age engendra a peste” problematiza um dos maiores embates vividos pelo homem. Fichte, a partir de seu sistema filosófico que,
O pecado original do homem, a atitude antifilosófica por excelência, está na autolimitação ao finito, ao limitado do eu empírico, no tomar o mundo das representações como sendo a realidade última; o maior pecado do homem é o pecado contra a própria interioridade, a recusa do Absoluto e a conseqüente confinação ao Não-eu.
Tal afirmativa propõe a idéia de que para alcançar o Eu puro o homem tem que aceitar o pecado como obra e bondade de Deus, cessando assim o dualismo humano. Essa constatação reforça o ponto de vista do pensador alemão, quando ele afirma que “O eu é uma realidade essencialmente dinâmica, função pura, atividade infinita e ilimitada. Em decorrência, sendo infinita e ilimitada, não pode conhecer limites, fronteiras”. Neste sentido, o homem tem que transcender o seu olhar finito que o limita dentro de uma consciência individual. Nesse sentido, a consciência finita e empírica dohomem não pode ser o centro, mas precisa se abrir para um inconsciente, “produtora do mundo das representações da consciência empírica”.Através dessa ótica, “Todos os seres são produto da atividade pura do Eu. E essa atividade criadora do Eu livre Fichte dá o nome de imaginação criadora”.
por luiz guilherme

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