segunda-feira, 10 de setembro de 2007

um erotismo desabotoado

O EROSTISMO PODE-SE AFIRMAR EXPLICITAMENTE que nem sempre foi uma tônica masculina, mas que apenas tardiamente teria erigido, ou melhor, aflorado sob o olhar da escrita feminina. Sempre marcada de um ostracismo no universo literário, as mulheres sobreviveram aos suspiros, reservadas em silenciamentos de seus prazeres. A escrita considerada por alguns críticos sexistas de “feminina” [e não confundir com feminista!!], e que não é a discussão deste artigo, registrou-se em seus espaços de solidão & silêncio. E quando se põe à mesa o erotismo, elas comportam-se com uma sedução lenta até que gradativamente cheguem a um orgasmo.Ainda que Psapho [ou simplesmente Safo] venha a ser considerada a primeira poetisa erótica da antiguidade, é preciso que se entenda que sua escrita manteve-se nos limites do “bom-tom”. Safo tinha mais erotismo latente em seu modo de vida [assim também se revelariam outras tantas literatas ao longo da história do erotismo] do que em seus poemas amorosos. Aliás foi este sentimento amoroso que atravessaria séculos [“durante a Idade Média conheceu-se o peso do pecado e com frequência viveu-se em temor e tremor”, Maurice Gandillac] até chegar a Renascença ainda celebrando um amor platônico nos escritos de algumas cortesãs que no máximo souberam magnificar o amor enquanto sentimento. A exceção foi Louise Labé [Débat de folie et d´amour, 1955], por sua ousadia em confessar sua sensualidade, esboçando mesmo um erotismo que aproxima o amor da loucura. Mas ainda assim o esforço de outras tantas literatas & libertinas, e mesmo algumas mulheres [Claudine de Teci, Mme. Souza, Céleste Mogador] que pertenceram ao Romantismo [movimento que tanto reinvidicou o direito a liberdade e a paixão] não trouxeram nenhum acréscimo à literatura erótica.Somente no final no final do século XIX é que se apresentariam as primícias de um erotismo mais significativo no cenário literário: H. Le Blanc [Marquesa de Mannoury] publica “Memoires secrets d´un tailleur pour dames”, em 1880 - relatos de histórias colhidas a partir dos ambientes de salões & cervejarias. São também notáveis os nomes [em meio a um grupo de lésbicas com pretensões literárias, mas que mal arrancaram poucos suspiros], Rachilde, Colette e Renée Dunan. Esta última por publicar clandestinamente um romance pornográfico e de um humor erótico sem igual [Les caprices du sexe, 1928]. Pela primeira vez a república [literária] dos homens fora ameaçada por um erotismo marcado por uma força e uma crueza de uma mulher [tudo bem que tenha se escondido atrás de um outro nome - Louise Dormienne - mas ainda assim era uma “femme”. A personagem principal [Louise], por ter se lançado à prostituição, “atravessa as situações mais obscenas que Renée Dunan descreve num estilo forte mas não vulgar, com observações muito justas de psicologia sexual” [Alexandrian, HISTÓRIA DA LITERATURA ERÓTICA, 1994]Renée Dunan ainda escreve um romance que causaria uma ameaça a ordem estabelecida [Une heure de désir, 1929] e por esta ousadia seu livro - na realidade um relato do que ocorre num primeiro encontro de um casal num quarto - fora posto no INFERNO DA BIBLIOTECA NACIONAL. Renée Dunan faz uma análise sutil das sensações & reações deste casal. Tendo publicado quase cinquenta livros, ao longo de sua vida, pouco se encontra sobre a autora. Seu nome quase não consta em antologias, compêndios e dicionários que abordam sobre este estilo literário [até mesmo na rede de informações mundialmente pesquisada: www]. Renée Dunan teve um qualidade rara de se encontrar numa escritora: um humor erótico cheio de reflexões maliciosas. Eis o preço a pagar por escrever [sendo uma mulher] tão francamente sobre sexo/sexualidade: o ostracismo.Por erotismo ter que haver com transgressão [Georges Bataille, L’ EROTISME, 1957], uma maneira de superar as interdições de quaisquer aspectos culturais [e mesmo natural!!], é que a partir de alguns momentos das relações sociais as mulheres começam a modificar a cena literária do erotismo com seu olhar em direção ao prazer. Sua presença na literatura erótica ainda não acrescenta um novo gênero, não são obras-primas que porventura tenham inaugurado/criado uma nova escrita em torno do erotismo [como desejam alguns sexistas!!], mas há uma nova tônica de seu olhar erotizante; com novas obras publicadas por elas há a possibilidade de se enrijecer mais do que o cânone; certamente há provocação & excitação de um cenário estético. Prazerosamente duas outras escritoras podem/ devem ser introduzidas neste seleto gênero da literatura erótica: Joyce Mansour e Anais Nin; herdeira do Surrealismo [que tanto estimulava uma arte desprendida de racionalidade/ lógica, buscando antes a escrita automática, dos sonhos e morbidez], Joyce Mansour revelou-nos poemas de um toque entre as forças de Eros e Thanatos. A violência de seus versos e confissões lésbicas desorientava leitores de uma Belle Epoque hipócrita [bem ao estilo água-com-açúcar!]. No lugar da pureza leva-nos a invocação de coisas/valores inusitados:
Eu amo tuas meias que reforçam tuas coxasAmo teu corpete que sustenta teu corpo trêmuloTuas rugas teus seios pendentes teu ar esfomeadoTua velhice contra meu corpo tensoTua vergonha diante de meus olhos que sabem tudoTeus vestidos que cheiram a teu corpo apodrecidoTudo isso me vinga enfimDos homens que não me aceitaram. [in CRIS, Paris, Seghers, 1954]
Por toda a sua vida as confissões mais íntimas de Anaïs Nin [suas aventuras amorosas, seus anseios, sua atitude libertina e acima de tudo sua promiscuidade sexual] foram compiladas nas páginas de seus Diários. E o ímpeto desses escritos, inevitavelmente, iria erigir de tal forma que alcançariam as páginas de seus melhores contos/ romances eróticos. Pode-se dizer que o segredo de sua obra literária está em seus Diários [espaço de refúgio & criação, uma viagem interior por áreas erógenas da sexualidade]. Seus escritos revelam a intimidade dos sonhos e angústias das mulheres, uma luta pelos seus desejos mais interiores, representados em forma de auto-análise psicanalítica; lembre-se que Anaïs tivera a influência das teorias de Freud, e essa influência ficou latente em duas de suas obras: VÊNUS ERÓTICA e A CASA DE INCESTO; esta última escrita em estilo surrealista e simbólico, inspirados em estudos freudianos; na verdade um longo poema em prosa que joga com o próprio inconsciente da autora; sua personagem Sabina, anagrama de “anaïs B”, um ser abstrato [o Superego de Anaïs] é a mulher ideal, enquanto Jeanne [o seu Id], uma mulher enferma e complexada. Neste romance pode-se ver expresso, de certa forma, um narcisismo de Anaïs Nin [Sabina] assim como seu complexo de Eletra [Jeanne]. Ao final desta narrativa Jeanne conduz Sabina até a Casa do Incesto, “onde jaz um velho pintor paralítico diante de quem uma dançarina espanhola executa a ‘dança da mulher sem braços’. Esta cena angustiante, que termina a narrativa, incita a narradora a pensar que é preciso escapar da ‘casa do incesto’ onde cada um não faz senão amar a si mesmo num outro” [ALEXANDRIAN].É também desta escritora a proposição de uma “escrita feminina”, excitando idéias libertárias sobre o universo da mulher e sobre o sexo, o erotismo em Anaïs Nin — diferente de outros autores que publicaram uma ou outra obra erótica — é uma constante [quase uma obscessão diária!]. Ela concentrou todo um trabalho no universo erótico, fazendo mesmo com que se perca uma naturalidade [do sexo]. Anaïs sempre se moveu, por assim dizer, em busca do Eros. Tendo começado a escrever muito cedo em seus Diários [Journal], reflexo de sua luta constante contra a realidade, sua primeira obra publicada data de 1932; trata-se de um ensaio sobre o escritor inglês D.H Lawrence [no mínimo, isso já representava uma ousadia de sua parte, dada a reputação deste escritor na europa]. Diferente de Sade ou de Henry Miller [em que se encontram as marcas de um erotismo selvático e perverso ou o obsceno e grosseiro] em Anaïs Nin tem-se a sensibilidade por imagens ricas em mistério e metáforas, como em VÊNUS ERÓTICA, onde se percebe a presença onírica de uma mulher sobre o amor físico. Mesmo em narrativas perversas Anaïs mantém sempre o senso da beleza carnal [e uma certa elegância moral!]Além de Diários e Ficções, ela também escreveu críticas e ensaios [prefaciou “Trópico de Câncer” de Henry Miller], de forma que seu estilo excitou e influenciou outras autoras no exercício do erotismo. Soube como os grandes autores expressar sua interioridade não apenas como é na realidade assim como são seus desejos libertos & libertinos, fora das conveniências e inibições sociais.Com Louise Labé, Renée Dunan, Joyce Mansour, Anaïs Nin e tantas outras, o erotismo desabotoa-se, expande-se, ultrapassa-se estetica e prazerosamente [o cio alcansa o céu, espaço reservado às estrelas e não apenas ao fogo violento dos meteoros!]. Fora uma conquista vali0sa que elas obtiveram no campo literário, podendo desta forma expressar seus anseios eróticos, correspondentes às falas que seus corpos tanto tensionaram [por muito tempo aprisionados em espartilhos da própria cultura]. Elas desabotoaram suas sexualidades [lésbicas, feministas, femininas etc] onde a literatura tende sempre a saciar: no imaginário, e a interioridade de seus textos dizem [e não dizem!] daquilo que é um mistério ou um segredo ou o sagrado: o erotismo.

por benoni araujo

4 comentários:

Anônimo disse...

interessante!!!

Ninguém disse...

Mto boa a resvita..
Estávamos precisando de algo assim!!
Parabéns!

Anônimo disse...

Surpreendente!
Algo adulto, gostei deveras, oxalá mantenham o mesmo padrao, assuntos sobre sexo, erotismo ... etc., abordados de forma inteligente. MUITO BOM.

Anônimo disse...

Maravilhoso!!!
Assuntos tratados de forma plena, dedicada e altamente inteligente.

Parabéns!